Antoniele Xavier
Mês das férias 1-
Díptico
Técnica mista de
aquarela e caneta nanquim
Dimensões: 297x420mm
2016
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Carla Marinho
Lolis 2 (Série Lolis)
Aquarela caneta nanquim caneta gel branco
costura sobre canson A4 (21 X 29 cm)
Ano 2015
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JJ Nunes
Sem título
Técnica Nanquim sobre papel
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Pietá Miranda
A anciã
Técnica pigmentos
naturais, aquarela e costura
Ano: 2016
|
ENTRE-LINHAS:
AFETOS & MEMÓRIAS EM ZIG-ZAG NA ESTÉTICA FEMININA DO AMAPÁ
A exposição Entre-Linhas
é um alinhavo de delicadezas e de suaves construções gráficas em que as
artistas Antoniele Xavier, Carla Marinho. Jenifer Nunes (JJ Nunes) e Piedade
Miranda (Pietá Miranda) apresentam os vestígios de suas lembranças, as
percepções de uma costura entre memórias pessoal e social. As obras tem um
caráter contemporâneo associado a uma nostalgia plural da imagem e das
vivências das artistas. São desenhos, aquarelas e pinturas que transitam numa
relação espaço-temporal bem próprios de uma estética feminina que ora evoca
brincadeiras da infância, ora delineia sonhos e desejos de meninas, em uma
consciência de mulheres.
Como bem diria o filósofo Henri Bergson, há um passado que é e um presente que era. Coexistência de
temporalidades. O passado age nas composições e desenhos das jovens artistas
amapaenses. Antoniele Xavier eleva nossa consciência e nos coloca no ar com as
pipas e aquarelas que executa com toda sua competência. Mais do que um domínio
técnico de seu saber fazer com as tintas e técnicas da tradição, a artista
degela a imagem em borrões de cores, onde a mistura cria interseções de formas,
matizes e recordação. O tempo interfere na ação artística de Antoniele, que
favorece com sua feitura de aquarelas a ação e incidência do acaso no resultado
final do trabalho.
Um universo de memórias atravessado por uma poética liquida também se
faz. Barcos de papel, dobraduras da infância, repetidas nas aquarelas que
vivem. Não são formas sobreviventes, são imagens que habitam desde sempre a
interioridade de uma jovem que respira arte em todo seu dia. Transitando pelo
Teatro e Artes Visuais, Antoniele Xavier tem uma maturidade precoce em seu
traço, uma força leve. Ainda que delicada, sua obra traz mais que apenas leveza,
tem a consistência do erro e acerto que a vida faz. Do mesmo modo que ela conta
com o fluxo natural entre estados sólido, líquido e com o ar. O movimento que o
gelo colorido faz ao interferir nos desenhos são inscrições temporais que a
artista prioriza na surpreendente forma final de sua criação. Degelar lembranças, sarar cuidados,
envolver a mente em pensamentos bons, é isso que a ela interessa. As manchas de
cores são sua matéria inicial no encontro consigo.
Carla Marinho apresenta uma temática bastante juvenil. Suas Lolis são a representação contemporânea
do desejo de adolescentes no mundo oriental, trazidas para a realidade do
ocidente. Mais propriamente, para o interesse e a cena urbana em Macapá.
Advindas das Lolitas japonesas, uma
espécie de boneca ou personagem da moda nipônica que surgiu na transição dos
anos 70 para os anos 80, com uma grande diversidade de gêneros nesta
categorização. No caso, as Lolis de
Carla aproximam se mais das Sweet Lolitas,
com seus grandes cílios, vestimentas e acessórios incorporados de uma tendência
do pop oriental, que tem ecos em muitos lugares do mundo, inclusive aqui, em
Macapá. Esses elementos trazem o lúdico como característica chave das obras da
artista. Ela trata com suave delicadeza toda uma questão étnico-racial. Com
especial destaque aos volumosos cabelos afros de muitas de suas Lolis que são representações também de
certa brasilidade, na incorporação de características negras, opondo se a
possíveis preconceitos e valorizando aspectos da africanidade de nossa cultura
local.
O sonho, a fantasia e a brincadeira são também figurantes nestas obras.
Há um frescor nos desenhos de Carla Marinho que nos alcançam com seu sopro de
alegria, de criatividade e de travessuras gestuais em seus ondulados traços.
Com balões-botões, pássaros, tinta nanquim e aquarela a artista literalmente
faz costuras no papel canson, onde desenha. Pespontos e alinhavos fazem uma
textura singular e dão o acabamento feliz da composição. Está também presente o
sentimento de humanidade nos seus desenhos, especialmente o sentido de
isolamento e de solidão. No contexto de uma espera, a contemplação da noite e a
existência de sombras, tais como os nossos medos, que devem ser trabalhados e
desconstruídos de nossa imaginação. Há nostalgia, enfim.
Em Jenifer Nunes (JJ Nunes), as
obras estão associadas a questões que nos remetem ao imaginário, ao mundo
místico e a sexualidade também. Figuras com olhos fechados ou semicerrados dão
a dimensão de um transe físico e espiritual. Numa experiência pessoal da
descoberta de si, de suas pulsões, a artista transita entre sonhos e desejos,
denunciando como característica em seu traço, sua condição de mulher. Elementos
fálicos, mitológicos, multiplicidades de grafismos feitos em preto e branco
trazem a visualidade de uma poética feminina e juvenil. De botos lendários, a
gatos, coruja, serpente, tigre ou mesmo um cão, a artista traz em seus desenhos
a comunhão que tem com a natureza, especialmente com animais. Mostra uma
ligação profunda com outros elementos naturais tais como a água, árvores,
troncos e folhas. Em JJ Nunes, há o devaneio do desejo pelo encantado, pela
sedução do desconhecido, pelo mistério em si.
A alteridade e o interesse nos excluídos é a questão central das
pinturas de Piedade Miranda (Pietá Miranda). Obras como O Carroceiro, A Órfã e A Índia na rede, nos dão a justa dimensão do que afirmo e exemplificam uma
minoria representada pela artista, na tentativa de evitar o esquecimento dessas
pessoas no tecido social. Pietá Miranda trabalha então a construção de certa
memória social. Na mesma medida também estão suas preocupações com questões ambientais.
É uma artista que pratica aquilo que ensina, é uma educadora ambiental. Faz do
uso de materiais e suporte alternativo, como o papel artesanal feito de fibras
de bananeira e de tintas extraídas de sementes de jenipapo e urucum, parte da
verdade e identidade de suas pinturas. A artista elabora cuidadosamente cada
etapa do seu ofício, num trabalho silencioso, embora potente, ela serenamente
problematiza questões do cotidiano e da invisibilidade social daqueles que
escolheu desenhar. É um ofício que envolve pesquisa de campo, abordagem
antropológica e de grande densidade conceitual. Há interesse nos grafismos
indígenas das tribos amapaenses associado às representações de cenas do
cotidiano dos temas pintados, em que vale a integração do bordado destes grafismos
nas beiradas e detalhes dos trabalhos. Costuras cuidadosas que integram se aos
personagens, valorizando ainda mais sua composição. Do desenho à pintura, da
fotografia ao desenho, dos fios e fibras às texturas e formas. O processo
criativo de Piedade Miranda só agrega mais e mais valor a sua percepção
sensível do outro e de uma visão global da existência, seja na arte, seja na
vida, a ambiência estética dessa artista prioriza o reconhecimento e valor do
outro, e assim justa e inclusivamente também de si mesmo.
São quatro estéticas bem alinhadas, entrelaçadas de beleza e
originalidade, onde cada artista traz a questão do feminino em sua própria
representação visual, e que dialogam com diferentes tempos e maturidades. Valendo-me
da conceituação de outro filósofo, no caso Gaston Bachelard, eu diria que há o
tempo da infância e a predominância de uma poética
do ar em Antoniele Xavier; há o tempo da adolescência com seus devaneios e
medos numa poética do ar e da água em
Carla Marinho; há o tempo da sensualidade da jovem adulta em Jenifer Nunes com
a poética da água e suas
mistificações e há o tempo da maturidade no sentimento da compaixão e da
alteridade, que a poética da terra,
da realidade vivida, do pensamento global de Piedade Miranda privilegia. Juntas
essas quatro artistas amapaenses traduzem a memória numa costura plena de
conceitos, de experiências visuais, e de consciência ambiental. É um bordado
feito com tintas, linhas e afetos e que eu aprecio e indico que vale a pena conferir.
Por Fátima Garcia
(Fátima Garcia é arquiteta,
professora do curso de Artes Visuais na UNIFAP, Mestre em Teoria e Crítica de
Arte pela Escola de Belas Artes – UFRJ. Assina a curadoria da exposição Entre-Linhas, que acontece no período de
07 a 28 de outubro / 2016 na Fortaleza de São José de Macapá- AP)
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