A FELICIDADE é uma busca que depende, sobretudo, da força interior
que há em cada pessoa!

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grandiosos passos no caminhar desta conquista.

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Por mares nunca dantes navegados...or pesquisar e conhecer o mundo!

domingo, 2 de outubro de 2016

Exposição Entre-linhas. Antoniele Xavier, Carla Marinho, JJ Nunes, Pietá Miranda



Antoniele Xavier
Mês das férias 1- Díptico
Técnica mista de aquarela e caneta nanquim
Dimensões: 297x420mm
2016

Carla Marinho
Lolis 2 (Série Lolis)
Aquarela caneta nanquim caneta gel branco costura sobre canson A4 (21 X 29 cm)
Ano 2015

JJ Nunes
Sem título
Técnica Nanquim sobre papel

Pietá Miranda
A anciã
Técnica pigmentos naturais, aquarela e costura
Ano: 2016




ENTRE-LINHAS: AFETOS & MEMÓRIAS EM ZIG-ZAG NA ESTÉTICA FEMININA DO AMAPÁ


          A exposição Entre-Linhas é um alinhavo de delicadezas e de suaves construções gráficas em que as artistas Antoniele Xavier, Carla Marinho. Jenifer Nunes (JJ Nunes) e Piedade Miranda (Pietá Miranda) apresentam os vestígios de suas lembranças, as percepções de uma costura entre memórias pessoal e social. As obras tem um caráter contemporâneo associado a uma nostalgia plural da imagem e das vivências das artistas. São desenhos, aquarelas e pinturas que transitam numa relação espaço-temporal bem próprios de uma estética feminina que ora evoca brincadeiras da infância, ora delineia sonhos e desejos de meninas, em uma consciência de mulheres. 
        Como bem diria o filósofo Henri Bergson, há um passado que é e um presente que era. Coexistência de temporalidades. O passado age nas composições e desenhos das jovens artistas amapaenses. Antoniele Xavier eleva nossa consciência e nos coloca no ar com as pipas e aquarelas que executa com toda sua competência. Mais do que um domínio técnico de seu saber fazer com as tintas e técnicas da tradição, a artista degela a imagem em borrões de cores, onde a mistura cria interseções de formas, matizes e recordação. O tempo interfere na ação artística de Antoniele, que favorece com sua feitura de aquarelas a ação e incidência do acaso no resultado final do trabalho.
      Um universo de memórias atravessado por uma poética liquida também se faz. Barcos de papel, dobraduras da infância, repetidas nas aquarelas que vivem. Não são formas sobreviventes, são imagens que habitam desde sempre a interioridade de uma jovem que respira arte em todo seu dia. Transitando pelo Teatro e Artes Visuais, Antoniele Xavier tem uma maturidade precoce em seu traço, uma força leve. Ainda que delicada, sua obra traz mais que apenas leveza, tem a consistência do erro e acerto que a vida faz. Do mesmo modo que ela conta com o fluxo natural entre estados sólido, líquido e com o ar. O movimento que o gelo colorido faz ao interferir nos desenhos são inscrições temporais que a artista prioriza na surpreendente forma final de sua criação. Degelar lembranças, sarar cuidados, envolver a mente em pensamentos bons, é isso que a ela interessa. As manchas de cores são sua matéria inicial no encontro consigo. 

       Carla Marinho apresenta uma temática bastante juvenil. Suas Lolis são a representação contemporânea do desejo de adolescentes no mundo oriental, trazidas para a realidade do ocidente. Mais propriamente, para o interesse e a cena urbana em Macapá. Advindas das Lolitas japonesas, uma espécie de boneca ou personagem da moda nipônica que surgiu na transição dos anos 70 para os anos 80, com uma grande diversidade de gêneros nesta categorização. No caso, as Lolis de Carla aproximam se mais das Sweet Lolitas, com seus grandes cílios, vestimentas e acessórios incorporados de uma tendência do pop oriental, que tem ecos em muitos lugares do mundo, inclusive aqui, em Macapá. Esses elementos trazem o lúdico como característica chave das obras da artista. Ela trata com suave delicadeza toda uma questão étnico-racial. Com especial destaque aos volumosos cabelos afros de muitas de suas Lolis que são representações também de certa brasilidade, na incorporação de características negras, opondo se a possíveis preconceitos e valorizando aspectos da africanidade de nossa cultura local.  
        O sonho, a fantasia e a brincadeira são também figurantes nestas obras. Há um frescor nos desenhos de Carla Marinho que nos alcançam com seu sopro de alegria, de criatividade e de travessuras gestuais em seus ondulados traços. Com balões-botões, pássaros, tinta nanquim e aquarela a artista literalmente faz costuras no papel canson, onde desenha. Pespontos e alinhavos fazem uma textura singular e dão o acabamento feliz da composição. Está também presente o sentimento de humanidade nos seus desenhos, especialmente o sentido de isolamento e de solidão. No contexto de uma espera, a contemplação da noite e a existência de sombras, tais como os nossos medos, que devem ser trabalhados e desconstruídos de nossa imaginação. Há nostalgia, enfim.
        Em Jenifer Nunes (JJ Nunes), as obras estão associadas a questões que nos remetem ao imaginário, ao mundo místico e a sexualidade também. Figuras com olhos fechados ou semicerrados dão a dimensão de um transe físico e espiritual. Numa experiência pessoal da descoberta de si, de suas pulsões, a artista transita entre sonhos e desejos, denunciando como característica em seu traço, sua condição de mulher. Elementos fálicos, mitológicos, multiplicidades de grafismos feitos em preto e branco trazem a visualidade de uma poética feminina e juvenil. De botos lendários, a gatos, coruja, serpente, tigre ou mesmo um cão, a artista traz em seus desenhos a comunhão que tem com a natureza, especialmente com animais. Mostra uma ligação profunda com outros elementos naturais tais como a água, árvores, troncos e folhas. Em JJ Nunes, há o devaneio do desejo pelo encantado, pela sedução do desconhecido, pelo mistério em si.
       A alteridade e o interesse nos excluídos é a questão central das pinturas de Piedade Miranda (Pietá Miranda). Obras como O Carroceiro, A Órfã e A Índia na rede, nos dão a justa dimensão do que afirmo e exemplificam uma minoria representada pela artista, na tentativa de evitar o esquecimento dessas pessoas no tecido social. Pietá Miranda trabalha então a construção de certa memória social. Na mesma medida também estão suas preocupações com questões ambientais. É uma artista que pratica aquilo que ensina, é uma educadora ambiental. Faz do uso de materiais e suporte alternativo, como o papel artesanal feito de fibras de bananeira e de tintas extraídas de sementes de jenipapo e urucum, parte da verdade e identidade de suas pinturas. A artista elabora cuidadosamente cada etapa do seu ofício, num trabalho silencioso, embora potente, ela serenamente problematiza questões do cotidiano e da invisibilidade social daqueles que escolheu desenhar. É um ofício que envolve pesquisa de campo, abordagem antropológica e de grande densidade conceitual. Há interesse nos grafismos indígenas das tribos amapaenses associado às representações de cenas do cotidiano dos temas pintados, em que vale a integração do bordado destes grafismos nas beiradas e detalhes dos trabalhos. Costuras cuidadosas que integram se aos personagens, valorizando ainda mais sua composição. Do desenho à pintura, da fotografia ao desenho, dos fios e fibras às texturas e formas. O processo criativo de Piedade Miranda só agrega mais e mais valor a sua percepção sensível do outro e de uma visão global da existência, seja na arte, seja na vida, a ambiência estética dessa artista prioriza o reconhecimento e valor do outro, e assim justa e inclusivamente também de si mesmo.
      São quatro estéticas bem alinhadas, entrelaçadas de beleza e originalidade, onde cada artista traz a questão do feminino em sua própria representação visual, e que dialogam com diferentes tempos e maturidades. Valendo-me da conceituação de outro filósofo, no caso Gaston Bachelard, eu diria que há o tempo da infância e a predominância de uma poética do ar em Antoniele Xavier; há o tempo da adolescência com seus devaneios e medos numa poética do ar e da água em Carla Marinho; há o tempo da sensualidade da jovem adulta em Jenifer Nunes com a poética da água e suas mistificações e há o tempo da maturidade no sentimento da compaixão e da alteridade, que a poética da terra, da realidade vivida, do pensamento global de Piedade Miranda privilegia. Juntas essas quatro artistas amapaenses traduzem a memória numa costura plena de conceitos, de experiências visuais, e de consciência ambiental. É um bordado feito com tintas, linhas e afetos e que eu aprecio e indico que vale a pena conferir.  

Por Fátima Garcia

(Fátima Garcia é arquiteta, professora do curso de Artes Visuais na UNIFAP, Mestre em Teoria e Crítica de Arte pela Escola de Belas Artes – UFRJ. Assina a curadoria da exposição Entre-Linhas, que acontece no período de 07 a 28 de outubro / 2016 na Fortaleza de São José de Macapá- AP)

 



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