Exposição
Cartas Des-Amores
de Carla Marinho
APRESENTAÇÃO
Longe do tempo em que às artistas mulheres só
cabia o exercício acadêmico das pinturas de paisagem e de natureza-morta, na atualidade, as temáticas e as técnicas artísticas
ultrapassaram o campo das artes plásticas e agora, em um contexto mais próximo,
denominado de linguagens da arte, contribuem como ferramentas de um cenário
múltiplo, político e diríamos que até mesmo existencial. Trata se do uso do
desenho, uma técnica milenar, tão tradicional, aqui empregada no viés do
contemporâneo por uma artista amapaense: Carla Marinho. Conhecida e premiada no
seu estado, o Amapá, ela agora nos surpreende com sua terceira exposição
individual denominada Cartas Des-Amores,
onde apresenta questões ambivalentes de sonhos e realidades na vida de algumas
mulheres. Idealização & desilusão na esfera do feminino são finamente
retratadas pela artista, que desde sempre tem o faro voltado para a
problematização de temáticas de gênero, de minorias e também de exclusão.
O uso de papéis de carta não somente como
suporte para o desenho, mas também como parte da obra em si é uma escolha
criativa e deliberada de Carla Marinho a partir de sua percepção da existência do
que ela considera um diálogo
contraditório das imagens e por vezes também de textos que estes ingênuos
papéis de carta contém em paralelo, há a representação de outras imagens não
tão serenas ou agradáveis de apreciar: as cenas de violência contra mulheres. Os incômodos pessoais da artista são a mola
mestra desta exposição. Aliás, não apenas uma mostra de desenhos, a exposição Cartas Des-Amores é como uma missão
espiritual que Carla Marinho realiza, devotadamente aos seus princípios
ancestrais de buscar a preservação da liberdade do humano, de sua dignidade étnica
e social. É tão somente um conjunto de desenhos, mas que tem uma
responsabilidade ímpar e um peso no campo social, quase como um desagravo às políticas
públicas de combate a violência e desigualdade contra mulheres.
A artista valeu se de estatísticas
policiais, imagens de alguns costumes culturais[1], imagens
de campanhas publicitárias de combate à violência doméstica e principalmente,
de imagens de mulheres reais, vitimas de seus companheiros, namorados, pais,
irmãos ou outro familiar, que se sobrepõe ferozmente no exercício de domínio,
de poder e controle sobre o gênero feminino. E nisso Carla Marinho confirma a
fala de Aracy Amaral quando diz que parece
inevitável que o artista devolva através de seu trabalho uma visão de mundo, o
espirito de seu tempo e de seu espaço, deles não podendo fugir[2].
As dez obras de Carla Marinho denunciam a vida cotidiana de violência e desamor
em que se tornou o devaneio e expectativa da intimidade de alguns casais. Da
busca pelo príncipe encantado dos papéis de cartas das coleções juvenis, ao
sofrido ato de relatar um boletim de ocorrência em instituições de amparo à
mulher. Tradução visual do resultado físico da bestialidade do macho ofendido, frequentemente
também reprimido, incontrolável dentro de si e que no ataque, dá vazão ao seu
eu mais primitivo, apoiado por vezes, em algumas práticas sociais arcaicas,
quase medievais.
No conjunto de obras de arte
são evidenciadas cenas de horror, com a representação gráfica de mulheres
silenciadas, espancadas, esmurradas ou até mesmo queimadas com ácidos diversos,
assim também, criança mutilada pela simples condição de ser menina. Não são
coisas fáceis de ver. A saber, que há certa naturalidade em determinadas
culturas, onde atos como estupro parental, molestação infantil, ofensas e
humilhações são práticas usuais, que culminam com agressões mais severas,
chegando mesmo até a morte. Mulheres com seus corpos tomados como propriedade,
objetos de uso e gozo de um dono. E estamos em 2018! Século XXI. A lástima
maior é ter nessas estatísticas, os índices e dados numa crescente, que parece
sem retorno. E a mostra Cartas Des-Amores
de Carla Marinho não quer cumplicidade com as paixões insanas. No que talvez
possamos considerar como estéticas da crueldade e da dor, seus quadros são
fortes no que se propõem, foram difíceis na execução, e como paradoxo humano,
não se sabe o que esperar na recepção das obras. Surpresa, revolta, lamento,
tristeza, reflexão, vertigem, abominação, enfim, a mostra em questão já é um
marco na produção dessa corajosa artista, também professora, pesquisadora da
arte, do humano e de si.
Na linguagem do desenho, o
atrevimento de devolver para a sociedade suas agruras, e ainda assim fazendo,
mesclar a doçura e o velamento do afeto um dia sentido. Amor transformado em
medo, paixão exasperada de egotismo levada a loucura criminosa do desprezo pela
alteridade. O outro não é mais visto como uma pessoa, mas tomado como mero
fetiche do desejo da pulsão de morte. Aniquilamento do pensamento e da razão.
Objetificação do corpo feminino. Desmesura, desequilíbrio, perversão e sadismo.
Combater tanta violência com lápis de cor, papéis de carta, papel vegetal e
grafite é um gesto de irreverência e sabedoria de uma artista mulher que sente
as dores das outras como suas e que grita através de seus traços e arabescos,
sabendo fazer se ouvir. O discurso de Cartas
Des-Amores atravessa nossos gostos pela beleza e alcança nossa repugnância
pela brutalidade humana, fato que a artista soube capturar. Aos desavisados
recomendamos: respirem! E ao público, sugerimos ver, rever e pensar.
Fátima Garcia[3]
[1] As imagens desenhadas são
oriundas de pesquisas feitas especialmente pela artista na internet nos anos de
2017 e 2018. No
caso específico, das representações mais impactantes da mostra refere se às
obras: Des-amores III e Des-amores IV, ambas de 2017, com
a violência contra mulher e criança naturalizada em países como Egito, Somália
e também no Paquistão. Nos dois primeiros países a violência com uso de ácido
em mulheres e no terceiro com mutilação infantil.
[2] AMARAL, Aracy et all. Rumos Artes Visuais Itaú Cultural 2005-2006.
São Paulo: Itaú Cultural, 2006, p.165.
[3] Arquiteta que faz o texto de curadoria
desta exposição é Mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes do Rio de
Janeiro – EBA/UFRJ e docente do curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Universidade Federal do Amapá – UNIFAP.
Papéis
de cartas. Muito comuns nas décadas de 80 e 90. Mas que ainda hoje são objetos
de coleção de grupos de mulheres pelas redes sociais. A doação dos papéis de foram
feitas por três colaboradoras. Duas do estado do Amapá e uma do Rio Grande do
Sul.
Exposição Cartas Des-Amores.
Chegou
a hora de compartilhar com tod@s vocês!
Espero
você lá!!
Abertura:
05/10/2018 (sexta-feira)
Horário
da abertura: 19h
Local:
Galeria Antônio Munhoz Lopes (SESC/Amapá)
Rua
Jovino Dinoá 4311- Beirol
Período
da Exposição: 05/10 à 05/11/2018
Visitação:
segunda à sexta (9h às 11h /15h às 17h).
Setor
de Cultura: (96)3241-4440 (ramal 239)
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