A FELICIDADE é uma busca que depende, sobretudo, da força interior
que há em cada pessoa!

Pequenas atitudes, por mais bobas que possam parecer, são valiosas e tornam-se
grandiosos passos no caminhar desta conquista.

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Por mares nunca dantes navegados...or pesquisar e conhecer o mundo!

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Exposição Cartas Des-Amores. Texto Curatorial por Fátima Garcia

Exposição Cartas Des-Amores
de Carla Marinho
APRESENTAÇÃO
                   Longe do tempo em que às artistas mulheres só cabia o exercício acadêmico das pinturas de paisagem e de natureza-morta,  na atualidade, as temáticas e as técnicas artísticas ultrapassaram o campo das artes plásticas e agora, em um contexto mais próximo, denominado de linguagens da arte, contribuem como ferramentas de um cenário múltiplo, político e diríamos que até mesmo existencial. Trata se do uso do desenho, uma técnica milenar, tão tradicional, aqui empregada no viés do contemporâneo por uma artista amapaense: Carla Marinho. Conhecida e premiada no seu estado, o Amapá, ela agora nos surpreende com sua terceira exposição individual denominada Cartas Des-Amores, onde apresenta questões ambivalentes de sonhos e realidades na vida de algumas mulheres. Idealização & desilusão na esfera do feminino são finamente retratadas pela artista, que desde sempre tem o faro voltado para a problematização de temáticas de gênero, de minorias e também de exclusão.  
                   O uso de papéis de carta não somente como suporte para o desenho, mas também como parte da obra em si é uma escolha criativa e deliberada de Carla Marinho a partir de sua percepção da existência do que ela considera um diálogo contraditório das imagens e por vezes também de textos que estes ingênuos papéis de carta contém em paralelo, há a representação de outras imagens não tão serenas ou agradáveis de apreciar: as cenas de violência contra mulheres.  Os incômodos pessoais da artista são a mola mestra desta exposição. Aliás, não apenas uma mostra de desenhos, a exposição Cartas Des-Amores é como uma missão espiritual que Carla Marinho realiza, devotadamente aos seus princípios ancestrais de buscar a preservação da liberdade do humano, de sua dignidade étnica e social. É tão somente um conjunto de desenhos, mas que tem uma responsabilidade ímpar e um peso no campo social, quase como um desagravo às políticas públicas de combate a violência e desigualdade contra mulheres.
                   A artista valeu se de estatísticas policiais, imagens de alguns costumes culturais[1], imagens de campanhas publicitárias de combate à violência doméstica e principalmente, de imagens de mulheres reais, vitimas de seus companheiros, namorados, pais, irmãos ou outro familiar, que se sobrepõe ferozmente no exercício de domínio, de poder e controle sobre o gênero feminino. E nisso Carla Marinho confirma a fala de Aracy Amaral quando diz que parece inevitável que o artista devolva através de seu trabalho uma visão de mundo, o espirito de seu tempo e de seu espaço, deles não podendo fugir[2]. As dez obras de Carla Marinho denunciam a vida cotidiana de violência e desamor em que se tornou o devaneio e expectativa da intimidade de alguns casais. Da busca pelo príncipe encantado dos papéis de cartas das coleções juvenis, ao sofrido ato de relatar um boletim de ocorrência em instituições de amparo à mulher. Tradução visual do resultado físico da bestialidade do macho ofendido, frequentemente também reprimido, incontrolável dentro de si e que no ataque, dá vazão ao seu eu mais primitivo, apoiado por vezes, em algumas práticas sociais arcaicas, quase medievais.
                   No conjunto de obras de arte são evidenciadas cenas de horror, com a representação gráfica de mulheres silenciadas, espancadas, esmurradas ou até mesmo queimadas com ácidos diversos, assim também, criança mutilada pela simples condição de ser menina. Não são coisas fáceis de ver. A saber, que há certa naturalidade em determinadas culturas, onde atos como estupro parental, molestação infantil, ofensas e humilhações são práticas usuais, que culminam com agressões mais severas, chegando mesmo até a morte. Mulheres com seus corpos tomados como propriedade, objetos de uso e gozo de um dono. E estamos em 2018! Século XXI. A lástima maior é ter nessas estatísticas, os índices e dados numa crescente, que parece sem retorno. E a mostra Cartas Des-Amores de Carla Marinho não quer cumplicidade com as paixões insanas. No que talvez possamos considerar como estéticas da crueldade e da dor, seus quadros são fortes no que se propõem, foram difíceis na execução, e como paradoxo humano, não se sabe o que esperar na recepção das obras. Surpresa, revolta, lamento, tristeza, reflexão, vertigem, abominação, enfim, a mostra em questão já é um marco na produção dessa corajosa artista, também professora, pesquisadora da arte, do humano e de si.  
                   Na linguagem do desenho, o atrevimento de devolver para a sociedade suas agruras, e ainda assim fazendo, mesclar a doçura e o velamento do afeto um dia sentido. Amor transformado em medo, paixão exasperada de egotismo levada a loucura criminosa do desprezo pela alteridade. O outro não é mais visto como uma pessoa, mas tomado como mero fetiche do desejo da pulsão de morte. Aniquilamento do pensamento e da razão. Objetificação do corpo feminino. Desmesura, desequilíbrio, perversão e sadismo. Combater tanta violência com lápis de cor, papéis de carta, papel vegetal e grafite é um gesto de irreverência e sabedoria de uma artista mulher que sente as dores das outras como suas e que grita através de seus traços e arabescos, sabendo fazer se ouvir. O discurso de Cartas Des-Amores atravessa nossos gostos pela beleza e alcança nossa repugnância pela brutalidade humana, fato que a artista soube capturar. Aos desavisados recomendamos: respirem! E ao público, sugerimos ver, rever e pensar.

Fátima Garcia[3]



[1] As imagens desenhadas são oriundas de pesquisas feitas especialmente pela artista na internet nos anos de 2017 e 2018. No caso específico, das representações mais impactantes da mostra refere se às obras: Des-amores III e Des-amores IV, ambas de 2017, com a violência contra mulher e criança naturalizada em países como Egito, Somália e também no Paquistão. Nos dois primeiros países a violência com uso de ácido em mulheres e no terceiro com mutilação infantil.
[2] AMARAL, Aracy et all. Rumos Artes Visuais Itaú Cultural 2005-2006. São Paulo: Itaú Cultural, 2006, p.165.
[3] Arquiteta que faz o texto de curadoria desta exposição é Mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro – EBA/UFRJ e docente do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP.
participação musical cantora Ágda






















Carla Marinho
Des-amores VII
Grafite, lápis de cor, caneta gel branco sobre papel vegetal e papel de cartas
Imagem apropriada de site da internet sobre fatos reais
Ano 2018




Papéis de cartas. Muito comuns nas décadas de 80 e 90. Mas que ainda hoje são objetos de coleção de grupos de mulheres pelas redes sociais. A doação dos papéis de foram feitas por três colaboradoras. Duas do estado do Amapá e uma do Rio Grande do Sul.

Exposição Cartas Des-Amores.

Chegou a hora de compartilhar com tod@s vocês!
Espero você lá!!

Abertura: 05/10/2018 (sexta-feira)
Horário da abertura: 19h
Local: Galeria Antônio Munhoz Lopes (SESC/Amapá)
Rua Jovino Dinoá 4311- Beirol
Período da Exposição: 05/10 à 05/11/2018
Visitação: segunda à sexta (9h às 11h /15h às 17h).
Setor de Cultura: (96)3241-4440 (ramal 239)